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quarta-feira, 22 de novembro de 2017

David Cassidy, La Migra e Uma Má Ideia


Vida de correspondente de guerra nem sempre é fácil. Situação preteou, cerco apertou e, saída pela esquerda, usando o Plano B, uma passagem comprada no paralelo em Manágua que trazia no bolso para alguma emergência. Corremos de madrugada para o aeroporto de San Salvador, eu e meu repórter fotográfico, ao sabermos do sumiço de 2 outros correspondentes. Ao amanhecer partia o trijato da Lanica, rumo à Cidade do México onde poderíamos relaxar e beber margueritas assistindo partidas de Hay-Alay.

Poderíamos, caso meu ilustre fotógrafo não tivesse a infantil ideia de subtrair um colete salva-vidas inflável que residia sob os bancos dos Boeings de antigamente. Eu só fiquei sabendo do deslize quando já era tarde demais. Estávamos em solo, dentro do aeroporto, onde acontecia um tumulto inimaginável causado pela chegada simultânea do maior fenômeno pop da época, em outro voo. Milhares de mexicanas adolescentes ensandecidas aguardavam aos gritos e prantos por David Cassidy, o cantor loirinho e bonitinho do seriado televisivo Família Dó Ré Mi. Ao passarmos pelo rebuliço causado pelas jovens endemoniadas, chegamos ao balcão de imigração, a não recomendável “La Migra Cucaracha”, onde apontaram para nossas mochilas exigindo ver o que havia dentro delas. Tudo OK com a minha e abriram a do fotógrafo e a primeira coisa a sair lá de dentro é o colete salva-vidas com o timbre da Lanica. O sujeito gordo, de cabelo gosmento, bigode espetado e traje escuro perguntou: “que es esto?” Eu espantado repeti a pergunta e meu ilustre colega se entregou dizendo que subtraiu do avião. Vai sair caro.

Fui obrigado a sair da sala enquanto pensava numa maneira de livrar o amigo daquele enrosco, pois nenhum de nós carregava dinheiro pra aliviar a encrenca. Antes de sair notei que do outro lado da sala havia uma porta para o saguão de saída do aeroporto. De volta ao tumulto assustador, reparo que David Cassidy vem chegando com 2 seguranças que estavam prestes a serem esmagados pelas milhares de tietes loucas pra dar uns pegas no popstar. O olhar transtornado dele e dos guarda-costas era de puro pavor. Pensei rápido e agi de uma vez só para salvar a pele do ídolo e livrar nosso repórter do apuro com “la migra”. Abracei o loirinho, olhei para os seguranças e gritei: “venham comigo; sei de um caminho que vai salvar vocês”. Dei um pé na porta da sala de onde havia sido expulso momentos antes e sob o olhar espantado dos agentes de “la migra” adentrei com o americano de olhos azuis debaixo do braço e aquele dois armários por trás. Gritei aos federais que fechassem a porta e tentassem conter as milhares de fãs enquanto eu salvava nosso ídolo, qual retirei por aquela porta que dava saída para o saguão, evidentemente arrastando meu fotógrafo junto. Ao sairmos, fechei a porta, ordenei aos guarda-costas que não deixassem ninguém passar por ali, conduzi nosso artista a uma cabine telefônica no saguão antes que ele fosse reconhecido e pedi a ele que ligasse para seus contatos e NÃO saísse dali. Peguei o fotógrafo pelo braço e rapamos pra fora do aeroporto, quando pára um taxi a nossa frente e dele sai meu irmão, que me entrega uma chave e diz que havia esquecido de entregar no hostel, para onde eu devia voltar no mesmo taxi e usar a mesma chave de acesso, sem falar que ele havia ido embora, pois perderia o local, onde a fila de espera era grande. No caminho para a liberdade enchi meu prezado de colega de catiripapos corretivos, enquanto o motorista dava risadas. 

Meu irmão hoje vive em Cuba, onde é embaixador. O fotógrafo abandonou os riscos da reportagem e abriu aquele que é hoje um dos mais requisitados estúdios de imagens de São Paulo. E David Cassidy, a quem ajudei a escapar daquela vez, faleceu hoje.