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terça-feira, 20 de outubro de 2015

Sugando Sangue e Andando Pra Trás

    O gaúcho parece que tinha perdido a intimidade com a enchente. Intimidade? Sim, éramos íntimos das cheias que ocorriam anualmente, quase sempre em agosto. Tanto que em 1967, quando aconteceu a maior dessa última metade de século, os governos tomaram providências e obras importantes foram tocadas pra diminuir o impacto ambiental e social das inundações. O Brasil vivia sob uma ditadura e os militares no poder sempre foram pragmáticos: cumpra-se. E a região metropolitana de Porto Alegre sofreu sérias alterações em sua geografia, a partir de um projeto de contenção de cheias na bacia do Guaíba, um estuário composto pelas águas de 5 afluentes que se agigantam em períodos de chuvas; os rios Sinos, Gravataí, Caí, Taquari e Jacuí.

    Estas obras levantaram barreiras visando proteger a população de São Leopoldo, de onde vem o Sinos, de Gravataí e Cachoeirinha, de onde vem o Gravataí e, principalmente Porto Alegre. A barreira maior vem desde a cidade de Gravataí, até o Centro Histórico de Porto Alegre, através da Freeway, estrada que une a BR 290 -rota que segue até a fronteira da Argentina via Uruguaiana- à BR 101 e litoral norte gaúcho, bem como Santa Catarina. Quando chega na ligação com a BR 290 oeste, via ponte do Guaíba, esta barreira segue até o Centro pela construção da avenida Castelo Branco e, quando esta atinge o coração de Porto Alegre, por ser impossível erguer o mesmo tipo de barreira, já que de um lado existe um porto e do outro uma cidade, optou-se por construir um muro, cuja altura tivesse capacidade para impedir enchentes no mesmo nível da barreira rodoviária. Assim foi feito e o Muro da Mauá foi levantado e estendido até a Ponta do Gasômetro, onde a barreira rodoviária é retomada e continuada até a Zona Sul de Porto Alegre, via avenida Beira Rio.

    Qualquer pessoa que já tenha visitado a Capital Gaúcha nota isso com facilidade, embora os moradores locais tenham dificuldades em visualizar a complexidade do dique. Estes habitantes, conhecidos localmente por "caranguejos", vêm desde a década de 70 do século passado batendo na tecla da derrubada do Muro da Mauá. Segundo estes, o paredão impede a visão do Guaíba, omitindo o fato de que o muro fica em frente a um porto, com 5,5km de docas e gigantescos armazéns ao longo de toda extensão em que foi construída o tal muro. Ou seja: não tivesse o muro, tampouco veriam o espelho d'água que banha a Porto Alegre dos Casais, pois os armazéns impedem essa visão. Como caranguejo é um bicho que anda pra trás, dia destes após a aprovação do projeto de Revitalização do Cais Mauá, quando 2 destes armazéns foram derrubados, estes se movimentaram pra fazer o maior barulho possível contra a obra. Mas eles não diziam que queriam ver o Guaíba? Se não derrubar armazém, vai ver de que jeito?

    Durante as últimas semanas,  choveu no Rio Grande do Sul, como se Noé tivesse construído uma nova arca e, os afluentes do Guaíba subiram metros e mais metros acima de seus leitos normais. O rio Caí, por exemplo, passou por cima das residências de milhares de pessoas na região de São Sebastião do Caí e essa água toda, quando desce, vem desaguar no estuário. Os rios Taquari e Jacuí se juntam antes de chegarem a Porto Alegre, criando um fluxo tão caudaloso capaz de passar por cima de boa parte da cidade de Eldorado do Sul e, especialmente, das ilhas que dividem a passagem dos afluentes na cabeceira do Guaíba. Todos estes loteamentos em Eldorado, foram urbanizados e vendidos depois da criação do dique, mas o poder público jamais teve o cuidado em construir uma barreira capaz de impedir que a inundação no município vizinho.

    O Guaíba atingiu seu mais alto nível em 80 anos e as comportas do Muro foram fechadas. Porto Alegre seguiu sua vida normalmente, em meio à maior enchente de sua vida contemporânea. O sistema de diques funcionou em seu primeiro teste verdadeiro e, pra tristeza e desespero da caranguejada, o Muro da Mauá protegeu o Centro Histórico de Porto Alegre. Sequer o tráfego na avenida Mauá precisou ser interrompido.

    Bola ao centro, vida que segue, afinal estamos diante de um novo temporal, as chuvas voltaram e os caranguejos se esgueiram pra tentar saírem das tocas assim que alguma tragédia aconteça por aqui, afinal, além de andarem pra trás, esse povo tem cruza com vampiro e adoram explorar sangue que não seja o seu.

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